sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Série "Uma história, um aprendizado": o perdão pode curar a dor da alma


De fato, a vida particular dos pacientes só diz respeito a eles mesmos, mas, como todos sabem, o médico, e por extensão o estudante de Medicina, acaba sendo menos médico e mais psicólogo, ouvinte, amigo íntimo ou confidente, dependendo da situação. Pensando nisso, relato aqui um fato ocorrido comigo numa das minhas visitas à enfermaria de Neurologia de um hospital público de Sobral. Chegando à enfermaria 4, deparei um idoso recém-admitido trauma raquimedular e crânio-encefálico, devido a um acidente de moto sem o uso de capacete. Até ai, seria mais um caso como muitos outros de acidente de motocicleta que lotam as emergências e agravam as estatísticas de morte no trânsito. Como o paciente estava letárgico e pouco ou nada responsivo, procurei obter informações com a senhora que estava ao lado:
_Bom dia. A senhora está acompanhando o paciente? É esposa?(perguntei, julgando pela idade aparentemente semelhante de ambos)
_Sou sim, mas eu não convivo com ele. Nós nos separamos há 7 anos, quando ele me deixou por outra(respondeu conformada). Mas não tinha ninguém pra ficar com ele, ai foi o jeito eu ficar.
                Confesso que, nesse momento, a minha atenção se desviou do paciente e me voltei para aquela senhora que parecia estar sofrendo de uma dor diferente, a dor da alma. Entre perguntas sobre o paciente e sobre a história da acompanhante, ela foi desabafando:
                _Sabe doutor(como muitos, ela ainda não sabia que eu sou apenas estudante), ele me deixou com 7 filhos pra criar sozinha e se “juntou” com uma mulher muito mais nova que só queria o dinheiro dele. Eu sofri muito, mas graças a Deus, hoje, meus filhos estão criados, casados e vivendo bem. E agora que o pai deles está nessa situação (falou apontando para o leito, com um olhar de piedade), eu tive que vir , já que a mulher dele nem apareceu. E Deus é tão justo, doutor, que ele foi um pai ruim pros filhos, que ele os abandonou, mas mesmo assim, os filhos deixaram seus trabalhos e suas esposas e vieram visitar. E até agora, a mulher ainda não veio. Ela só queria o dinheiro dele, doutor.
                Após uma pausa breve para reflexão, notei que a folha do caderninho em que anoto as informações da anamnese estava quase em branco. E ela continuou:
                _Não era pra eu estar aqui, doutor. Ele foi muito ruim para mim e para os meus filhos. Agora está ai, sem poder fazer nada e dependendo de mim pra tudo. Eu sou muito besta. Mas me sinto bem fazendo isso, afinal ele foi o homem que amei e é o pai dos meus filhos.
                _A senhora é muito boa. Tem um grande coração e está ajudando a quem te fez mal. Isso é muito nobre. (falei, passando a mão sobre seu ombro).
                Depois desse desabafo, voltei-me ao paciente e fiz alguns exames neurológicos de rotina. Eu agradeci, desejei coisas boas aos dois e sai.
                O ensinamento que esse fato me proporcionou foi o do perdão. Uma mulher humilde abandonada teve a dignidade e o gesto nobre de perdoar e permanecer ao lado do marido diante de uma situação tão difícil como a que ele estava passando. A atitude desta senhora deve ser exemplo para a vida.
(Alexandre Silva) 

Um comentário:

  1. bacana o blog, Alexandre, Parabéns! Vou seguir. Se quiser tenho alguns textos tb, Abraço!

    ResponderExcluir