quinta-feira, 31 de março de 2011

Vocês têm consciência da profissão que escolheram?

Foi com essa pergunta que uma paciente começou a nos contar sua história durante nossas tradicionais visitas às enfermarias. Fomos entrevistar e acabamos sendo entrevistados. Mas a indagação da paciente tem um valor importante e deve ser motivo de reflexão. Medicina é uma profissão encantadora, com seus altos e baixos, vitórias e derrotas, mas que nos deixam extremamente gratos por ajudar as pessoas. Isso nos motiva a continuar essa jornada tão difícil. Somos retribuídos com cada vida salva, com cada abraço de agradecimento, com cada sorriso por ter sua saúde de volta, por cada filho que volta as braços dos seus pais...enfim, são coisas que emocionam e que nos fazem mais completos como pessoas. Mas também tem o lado difícil, aquele em que não conseguimos salvar alguns pacientes, não podemos dar o conforto que eles precisam, não somos capazes de aliviar uma dor, dificuldades que nos impedem de exercer a Medicina com qualidade. Nós, estudantes, devemos nos incluir nesse equilíbrio tão tênue. Responsabilidade é a palavra que resume o que a paciente quis nos dizer. Vendo-nos ainda jovens, teve o instinto materno de nos educar pra vida que optamos viver, como se fôssemos seus filhos, ensinando-nos a ser mais humanos. Com certeza, ela já teve alguma experiência negativa com um médico, diante de seu histórico de 4 AVE's (acidentes vasculares encefálicos), e por isso ela não quer que sejamos responsáveis por experiências semelhantes em outros pacientes. Cada vida pela qual seremos responsáveis reforça o compromisso de sermos o melhor possível, como médicos e como humanos. Que sua indagação se torne uma mensagem de compromisso e incentivo sempre constante em nossas vidas.

domingo, 27 de março de 2011

JP Charges - Paciente chegando ao balcão do hospital...


A charge trata de uma realidade do atendimento público em Saúde, a qual não precisa ser discutida aqui, mas apenas refletida. Então, façamos isso!

quarta-feira, 23 de março de 2011

Eu rezo e mando pro "homem do anel"

Nos últimos anos, a Medicina tem se valido cada vez mais da alta tecnologia, do diagnóstico preciso baseado em imagens tridimensionais, em análises moleculares etc. Mas dificilmente isso vai desviar muitos pacientes da crença no chamado "setor popular" da assistência em saúde, no qual se incluem as rezadeiras, curandeiros etc. É sobre isso que escrevo aqui. Nessa quarta, dia 23, eu e um grupo de amigos da faculdade fomos conhecer uma umbandista (como ela se referia), afim de obter informações sobre a prática da Umbanda como atividade do módulo de Assistência Básica à Saúde. Claro que seria nosso primeiro contato, e que por isso estávamos um pouco nervosos, ou talvez fosse apenas curiosidade mesmo. Acompanhados da agente de saúde do bairro, chegamos ao terreiro de umbanda que fica contíguo à casa da mulher. Logo nos surpreendemos com a "decoração" do ambiente, cheio de imagens sacras e outras nem tão sacras assim, velas multicolores acesas, objetos enigmáticos que vez ou outra desviava nossa atenção da conversa com a senhora. Antes de iniciar a entrevista, ela nos pediu permissão para fumar um cigarro. Simples, carregada de simbolismo nas palavras, ela falou sobre seu trabalho como umbandista, como começou, de onde recebeu o dom, as pessoas que a procuravam, sempre se referindo a expressões típicas, as quais interrompíamos quando o significado delas não era compreendido. Uma vida de fenômenos sobrenaturais nos foi relatada, o que instigava ainda mais nossa curiosidade. Entre "atoações", giros, guias e entidades, ficávamos admirados com a riqueza simbólica dessas práticas e com a crença das pessoas, segundo o que ela nos contava. Interessante também perceber que ela não contradiz os médicos que atendem as pessoas que a procuram. Pelo contrário, ela recomenda que se faça exatamente como o médico orienta e ainda reforça o tratamento com preparações caseiras que ela ensina a fazer; são chás de tudo que se possa imaginar! Quase sempre, durante as consultas - sim, ela chama o serviço de Umbanda de consulta - ela orienta as pessoas que procurem o auxílio médico, após fazer o "trabalho".
__Eu rezo e mando pro "Homem do anel".
Ao final, despediu-se convidando-nos para a "festa do Boi-Preto", em breve. Confesso que fiquei curioso em saber como é essa festa. Enfim, foi muito interessante conhecer esse componente cultural tão vivo na vida de muitas pessoas, de diversas classes, que, independente de religião, acreditam que a fé pode curar. É mais um aprendizado para nossa formação como médicos enraizados na cultura do seu povo.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Abaixo de Deus, só Ele mesmo.

"Abaixo de Deus, o médico", disse a esposa de um paciente ao final da apresentação deste numa sessão clínica de um hospital de Sobral, diante da qual ficamos um tanto satisfeitos e outro tanto orgulhosos da nossa escolha profissional. Mas essa frase me pôs a pensar, e aqui registro brevemente meu pensamento. Se interpretamos esses ditos populares como agradecimento, retribuição, podemos até ficar felizes por estarmos ajudando pessoas que tanto precisam; mas se interpretarmos como reconhecimento de uma "superioridade" que, ao meu ver, não existe, devemos repensar um pouco e observar que somos apenas pessoas que tiveram oportunidade de adquirir conhecimento e habilidades biomédicas. Isso não nos diminui, nem nos supervaloriza, apenas constata que somos iguais, e como tais devemos ajudar uns aos outros. No final, é melhor acreditar que abaixo de Deus, só há Ele mesmo.

sábado, 12 de março de 2011

JP Vídeo: O problema crônico dos hospitais públicos

Esse vídeo foi uma reportagem da Record e trata dos problemas da Saúde Pública no Brasil. É importante que discutamos essa polêmica, para que no futuro sejamos construtores de um sistema de saúde de qualidade e mais humanizado. Comentem, questionem, discutam!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Eu só queria brincar o carnaval

Essa postagem é mais um registro de uma paciente especial. Recém-chegado de um Carnaval maravilhoso, fui incumbido de fazer a anamnese de uma paciente para apresentar o caso numa sessão clínica tradicional. Chegando ao leito a que fui destinado, fui surpreendido por uma reação de espanto da paciente. Era uma garotinha de 13 anos e que se queixava de fraqueza muscular e dormência nas pernas.
__por favor, injeção de novo não! O senhor não vai tirar mais sangue de mim não, né?!
Ela estava assutada, pois já haviam lhe tirado muito sangue, à custa de várias "furadas", como ela mesma referiu, e pensou que eu seria mais um a fazê-lo. Identifiquei-me como um estudante de Medicina que precisava colher algumas informações sobre sua história clínica. Foi contagiante o seu sorriso de alívio! Ela e sua mãe, uma senhora muito sorridente (dessas pessoas simples que não tiram um sorriso gostoso do rosto), começaram a me contar suas histórias. Sim, "suas" porque a mãe não perdeu a chance de falar sobre ela também.
A menina olhou bem para o jaleco e notou meu nome estampado, desabafando a seguir:
__Alexandre, eu só queria brincar o carnaval, correr na rua; minhas amigas todas foram para as festas e eu fiquei aqui.
A mãe começou a rir, o que se repetiu quase todas as vezes que a filha falava alguma coisa. A menina entediada de estar naquele leito de hospital desejava como nunca sair dali e poder voltar à sua vida normal. Sempre muito alegre, no auge da sua mocidade, com todos os trejeitos de uma pré-adolescente da geração Restart, mas ainda assim notava-se sua angústia pelo Carnaval perdido. Ao mesmo tempo em que eu a examinava, ela reagia como se os procedimentos do exame fossem brincadeira. Quisera nós que tivéssemos essa mesma visão das coisas...certamente, a vida seria muito mais simples.
 Falava alto, atendia o telefone e conversava com as amigas, enfim...era uma garota de 13 anos querendo viver o seu mundo longe daquele lugar onde os blocos não existem, as fantasias se desfazem e os foliões não saem na avenida.