quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O custo da vida



Os egípcios já tratavam câncer com instrumentos cirúrgicos rudimentares que permitiam operar tumores superficiais. Com a descoberta da radioatividade no início do século 20, surgiu a radioterapia. As radiações ionizantes possibilitaram destruir tumores inoperáveis, e complementar cirurgias incapazes de erradicar a doença.
Na Segunda Guerra Mundial, médicos do exército americano observaram que os técnicos envolvidos nos testes com a mostarda nitrogenada como gás de guerra, apresentavam queda do número de glóbulos brancos. Como nas leucemias e linfomas as células malignas são justamente os glóbulos brancos, administraram mostarda nitrogenada para portadores dessas doenças e obtiveram regressões dramáticas. Estava inaugurada a era da quimioterapia, método que utiliza moléculas capazes de destruir as células em multiplicação.
Foi uma mudança radical do paradigma: enquanto cirurgia e radioterapia podiam curar apenas tumores localizados, a quimioterapia atacava as células disseminadas pelos diversos órgãos, em última análise, responsáveis pela incurabilidade. A segunda metade do século 20 assistiu ao desenvolvimento de diversos quimioterápicos que revolucionaram o tratamento de leucemias, linfomas, câncer de testículo, mama, ovário e muitos outros. Vieram, em seguida, os estudos comparativos conduzidos com diversas drogas, em milhares de pacientes reunidos em múltiplos centros de vários países, para avaliar a eficácia, quantificar toxicidades e analisar os índices de cura. Entramos na fase da medicina baseada em evidências científicas, por meio das quais o médico pode tomar decisões menos sujeitas a vieses individuais. A quimioterapia, no entanto, tem limitações: as drogas causam efeitos colaterais, induzem respostas que nem sempre são duradouras e não agem contra todos os tipos de tumor.
Como avançar?
Nos últimos trinta anos, a biologia molecular demonstrou que, para multiplicar-se, uma célula recebe e responde a sinais que chegam à membrana externa e são transmitidos através do citoplasma para que o DNA presente no núcleo inicie o processo de divisão celular. Essenciais na gênese do câncer, esses mecanismos envolvem uma cascata de moléculas que se comunicam umas com as outras, numa rede de incrível complexidade.
A indústria farmacêutica decidiu, então, investir na busca de “moléculas inteligentes”, capazes de neutralizar a atividade das moléculas responsáveis pela transmissão desses sinais que disparam a multiplicação das células malignas. Nasceu a terapia-alvo.
A estratégia permitiu descobrir moléculas de grande impacto na cura das leucemias mielóides crônicas e de alguns tipos de linfomas. Outras demonstraram utilidade no câncer de rim, em 15% a 20% dos casos de câncer de mama, em poucos casos de câncer de pulmão, principalmente entre mulheres orientais que nunca fumaram, além de outras situações raras e específicas.
A expansão dessa área foi vertiginosa. No momento, são incontáveis as “moléculas inteligentes” em fase de estudos clínicos. Para tornar tudo mais difícil, no entanto, as células tumorais se defendem do ataque que as atingiu em determinado alvo. Reagem ao bloqueio daquela via, criando novos caminhos para assegurar-lhes o direito de cumprir seu destino: crescer e multiplicar-se. Tal habilidade exige descobrir novas moléculas para inativar alvos alternativos. Quantas serão necessárias para controlar a doença, duas, três, cinco? Quem sabe? Dependerá da criatividade das células malignas. Se é assim, quantos remédios o doente precisará tomar? Durante quanto tempo? Qual será a toxicidade? Valerá a pena viver mais, se for para passar os dias com náuseas, astenia, dores musculares, diarreia e anorexia?Além dessas dúvidas, há o problema do vil metal. Essas drogas chegam ao mercado a preços exorbitantes. Medicamentos que custam 5 mil dólares por mês são rotineiros, alguns ultrapassam a barreira dos 10 mil. Esses custos são insuportáveis até para os países mais ricos do mundo. No Brasil, quem arcará com eles? O SUS? Os planos de saúde?
Por Dráuzio Varela

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