sábado, 18 de junho de 2011

Fazer ou não a histerectomia?

A rotina médica também inclui tomar decisões difíceis em momentos imprevistos. Pois pensando nisso, relato aqui uma situação que presenciei no centro cirúrgico nesses últimos dias, durante meus plantões de férias. A paciente fora indicada para cirurgia em caráter de emergência devido a uma hemorragia pélvica indefinida. Quando o cirurgião fez incisão cirúrgica e alcançou a cavidade pélvica, identificou o sangramento e encontrou o útero bastante alterado em aspecto, com sufusões hemorrágicas, caracterizando o útero de Couvelaire. O cirurgião aventou a possibilidade de histerectomizá-la, pois o estado do útero poderia complicar para algo mais sério, inclusive com risco para sua vida. E ficou aquele clima de indecisão na sala de cirurgia, todos olhando um para o outro sem saber o que fazer de fato. Então, começaram a interrogar sobre a vida da paciente, a idade, quantas gestações, idade do primeiro filho etc. A paciente, atualmente com 23 anos, tinha um histórico de 8 gestações, sendo que na última o bebê nasceu morto. Ao saber dessas informações, a equipe achou viável a possibilidade de retirar o útero. E assim o fizeram, com o consentimento de um ginecologista experiente. Como a paciente não havia sido comunicada sobre essa possibilidade, até porque os médicos não sabiam da gravidade do caso, poderia haver algum problema de ordem ética que motivasse uma ação legal contra a equipe e o hospital. Tomar decisões importantes em situações complicadas é uma tarefa árdua que compete ao médico, e este deve estar bem preparado para lidar com essas situações, conscientizando-se que o paciente poderá questionar judicialmente o que sua atitude.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Espelho médico


Essa é uma citação de Sir Willian Osler, no livro "Medicina Centrada na Pessoa", de Moira Stewart:
"Insistiria com vocês...para que prestem mais atenção ao doente do que às características especiais da doença...Lidando, como fazemos, com a pobre e sofredora humanidade, vemos o homem sem máscaras, exposto em toda sua fragilidade e fraqueza, e vocês devem manter o coração aberto e maleável para que não menosprezem essas criaturas, seus semelhantes. A melhor maneira é manter um espelho em seu coração, e quanto mais vocês observarem suas próprias fraquezas, mas cuidadosos serão com seus semelhantes".

E é um verdade. Se quisermos conhecer as fraquezas dos nossos paciente, precisamos primeiramente descobrir onde e como estão as nossas. Mas isso não se faz ao acaso, faz-se por autocrítica. Deveríamos nos perguntar o quão forte somos para podermos ajudar os outros. Os pacientes nos chegam espantados, despidos de sua face cotidiana, sem nenhuma autoproteção, porque naquele momento são passivos e ávidos por alguém que os ajude. Esse alguém nem sempre sabe reconhecer o que lhe causa mais sofrimento, que às vezes nem é a doença em si, mas o contexto no qual a pessoa e a doença juntos estão inseridos. É dever do médico cuidar disso, e de nós, estudantes, aprender a reconhecer quando dói o corpo e também a alma. Vivenciamos experiências de vida que nos fazem ser a parte diária de um todo que compõe nossa personalidade maior, com muitos defeitos, mas com qualidades que podemos aproveitar e aperfeiçoar. Solidariedade, por exemplo. Se cada um, estudantes e médicos, tiver um momento diário dedicado ao espelho do coração, verá alguém que também padece de fraquezas e que precisa reconhecer as suas para aprender a lidar com as dos outros. Façamos isso então!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

JP video - A dificuldade de médicos formados no exterior para revalidar diplomas no Brasil

A reportagem que o Fantástico produziu no último domingo, dia 5, trata da dificuldade que os médicos formados no exterior, especialmente em países vizinhos ao Brasil, têm para revalidar seus diplomas no território nacional, para assim poderem exercer suas atividades legalmente.

terça-feira, 7 de junho de 2011

JP cult - Dotô de atitude


Essa postagem inaugura uma nova sessão temática no Blog, compartilhando produções literárias e artísticas relacionadas à saúde e à Medicina. Para começar, publico um texto em cordel de autoria do meu amigo e colega de faculdade Antônio Herculano, que foi apresentado num seminário sobre Medicina Centrada na Pessoa, durante o módulo de Assistência Básica à Saúde 4. Espero que gostem, pois na sala de aula foi um sucesso.


Dotô de atitude


Já dizia um famoso dotô no meu sertão
 Pra sê sadio os homi tem que se privinir mas sem se  esquecê da promoção 
 Pois já vou contar um causo que ouvi com tristeza e indignação
 Cumade Sam era viúva e já passava dos oitenta
 Só suspirava por causa d'uma gambiarra socada nas venta
  
Num tinha mais famia
  Só Glória, única fia
  Também tinha o dotô Arom
  Cabra danado, cuidadoso com a cumade, no mais, um homi bom

Antigamente dona Sam até se alegrava reparando na televisão
  Hoje, que Deus guarde, se agonia só de pensar que vai pra debaixo do chão
  Despombalecida, a coitada correu pros dotô
  Quiseram internar, mas a cumade logo se inconformô
  Dotô Arom vendo toda aquela arrumação

Se avexo logo de fazer uma negociação
  Quis saber da dona Sam o que fazer pra melhorar
  Respondeu ela que queria um tempo pra pensar
  Foi então que a cumade resolveu falar
  Que escrever pro jornal da cidade pudesse ajudar

Cumade Sam escreveu
  E nosso sinhô a juventude devolveu
  Sem esquece de agradece a midicina e o dotô de atitude
  A vida da cumade, de novo, tinha saúde.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

JP opinião - Humanização é fundamental, por Antônio Carlos Lopes


Vivemos tempos de grande avanço tecnológico. Com todas as vantagens da globalização, verificamos, ao mesmo tempo, entristecidos, o distanciamento entre as pessoas. Assim como em nossa vida particular, este distanciamento ocorre no campo profissional e também nos consultórios e hospitais. Cada vez é mais comum ver médicos e pacientes dando lugar a números, exames e diagnósticos tornarem-se códigos, e a comunicação perder sua essência. Aquele médico de família, que acompanhava todos os seus integrantes ao longo de suas vidas, não existe mais. Ou restam pouquíssimos. Hoje temos um estranho avaliando outro estranho - em apenas alguns minutos de curto diálogo; provavelmente, nunca mais se encontrarão. É de se lamentar. Entretanto, parece que, aos poucos, tanto os profissionais de medicina como pacientes vêm repensando conceitos. Constatam que nada substitui o tratamento humanizado, nada é mais importante do que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto de seu paciente. É tempo de recuperar nossas raízes, de resgatar do bom e velho médico, e suas principais qualidades sem, é claro, abrir mão de toda a modernidade a que temos direito. O resgate da humanização, tão bem inserida naquele contexto de antigamente, deve pautar sempre a prática da medicina, com principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade à população. Seja na rede pública ou privada, o médico necessita de tranquilidade e deve ter todas as ferramentas necessárias para um atendimento no qual possa oferecer o melhor do seu conhecimento, toda a sua atenção e, principalmente, todo o seu respeito. Ele precisa de tempo suficiente para conhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado, seus anseios e angústias, e fazer com que saia aliviado, com perspectiva de ter seu problema encaminhado. Enfim, queremos ver novamente o paciente confiando sua saúde com a mesma tranquilidade que confiávamos antigamente. Ainda não é o que acontece na maioria dos casos. Em parte porque este profissional vestido de branco não dispõe de condições adequadas ao aprofundamento da relação com seu paciente. Pior, é pressionado por todos os lados. Na saúde pública pelas filas intermináveis, falta de equipamentos etc. Na rede privada, são as pressões das operadoras de planos de saúde, baixa remuneração e o constante descredenciamento da rede conveniada que frequentemente engessam o médico nas suas atividades. A insegurança comum a médicos e população gera não apenas atraso em diagnósticos ou tratamentos; também traz consequências por vezes desastrosas. Ou seja, com todos os avanços, equipamentos de última geração e descobertas, temos hoje um dos piores cenários que este país já conheceu no sistema de saúde. A medicina é humana em sua essência, feita de humanos para seres humanos. Não é possível mais assistir à sua fragmentação em duas medicinas - uma para os pobres e outras para os ricos. Dar e receber assistência médica de qualidade e universal, mais do que um anseio, é um direito de todos. 

*Antônio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica