sábado, 28 de maio de 2011

Satisfação ou bom senso?

Muitas vezes, o médico se vê diante de um impasse: considerar o desejo do paciente em relação a conduta terapêutica ou agir conforme as condições do ambiente de trabalho? A primeira alternativa é inspirada no que se denomina Medicina Centrada na Pessoa, em que o paciente é plenamente tomado pelos seus aspectos socioculturais, experiência da doença e opinião sobre a conduta médica, não apenas pela doença em si. A segunda é diretamente ligada aos problemas de infraestrutura e de equipamentos de saúde, financeiros ou logísticos. É este o que pesa na rede hospitalar pública. Vou exemplificar com um caso que presenciei em um plantão de emergência de um grande hospital do interior. Um jovem havia se acidentado de moto, sem capacete, e chegou na emergência queixando-se de dor e com lesões por todo o corpo, alguns na cabeça. Junto a ele, veio todo um aparato composto por duas irmãs muito preocupadas - a mais velha parecia sua mãe, de tanto cuidado - seu pai e uma outra pessoa que se apresentou apontando para o paciente e chamando-o de "futuro eleitor". Fiquei sem palavras. Quando me dirigi ao paciente para fazer as avaliações iniciais de atendimento, todos se aproximaram de mim e começaram a falar:
__Ele tá sentindo muita dor!
__Ele tem gastrite nervosa!
__Ele bateu a cabeça, tá mais fundo aqui do lado!
__Olha o joelho dele, o braço, o ombro tá arranhado...
E por ai foi. Precisei pedir que eles se afastassem para que eu pudesse continuar e depois eu conversaria mais com eles com mais calma. O médico plantonista ainda não havia chegado, e logo que estivesse lá eu o informaria sobre o paciente. A situação complicou quando comecei a fazer perguntas de triagem para tomografia (se ele havia vomitado, se ficou inconsciente, coisas assim).
__Porque você tá perguntando isso? Ele vai precisar de tomografia pra ver a cabeça, né?!
De acordo com as respostas que até mesmo o paciente me forneceu (ele estava consciente, até demais), respondi que não seria necessária a tomografia. Quando o médico chegou, fez mais algumas avaliações e chamou os acompanhantes. Enquanto eu fazia as suturas, ouvi o médico dizer:
__Ele não precisa de tomografia, não adianta insistir. É desnecessário, e outras pessoas que realmente precisam ficariam sem fazer por isso; vou pedir apenas um raio-x...
A família não compreendeu, até porque estavam muito preocupados com o jovem e naquele momento o que lhes interessava era saber se o rapaz ficaria bem, se não tinha nada mais grave. Ficaram descontentes, apesar de tudo que fora feito. Como o hospital é público e os recursos são limitados, não é possível fazer determinados exames caros para todos os pacientes; por isso, existe triagem dos casos.