domingo, 4 de dezembro de 2011

Doença do coração ou dor da alma?

Nem sempre, a doença que motiva alguém a procurar o médico é algo físico. Esse relato é de uma paciente que atendi em um hospital especializado. Trajando roupas simples, ela chegou um tanto preocupada. Quando eu e meus colegas começamos a conversar, ela falou rapidamente que sentia uma 'batedeira' no coração. Pronto! De físico, apenas isso. O resto ela contou logo em seguida. Começou a falar de suas preocupações exclusivamente relacionadas aos filhos. Seu maior medo era morrer e deixá-los sem apoio. Muito ansiosa, relatou que há muito tempo não dormia, pois precisava cuidar da neta, já que a filha trabalhava de madrugada e quando chegava em casa estava cansada e simplesmente dormia. Além disso, tinha medo de a bebê cair do berço durante um cochilo seu. Também relatou que o filho é um jovem problemático, rebelde, que chegou inclusive a agradi-la certa vez. Nessa altura da conversa, a tal 'batedeira' do coração já não era o foco. E quase sempre, éramos tocados pela indagação:
_Será que eu vou morrer, doutor? Eu não posso morrer. Tenho medo.
Pra completar, ela havia sido abandonada pelo marido, por quem também era agredida. Não tinha amigos: dizia que não achava correto ficar por ai falando com as pessoas, que cada um tem sua vida e não deve interferir na do outro. Os irmãos moram longe e há tempos não a visitam. Vez ou outra, durante a conversa, aqueles olhos espantados enchiam-se de lágrimas sofridas. Apesar de tudo, ela só se motivava enquanto pessoa da qual outras dependem. Não, não era algo físico seu problema. A causa é diversa, é social, familiar, sentimental. Aquela mulher trazia em si muitas preocupações acumuladas, responsabilidades variadas, das quais nem todas lhe pertenciam, mas ela as acolhia. A vida a ensinou a se dedicar a tudo, menos a ela mesma. Mas como falar de amor para uma pessoa que poucas vezes ou nenhuma na vida sentiu isso? Será que medidas farmacológicas, tão tradicionais em Medicina, resolveria? Certamente, não. A ironia da situação éramos nós, jovens estudantes e pouco experientes em vida, sermos menos acadêmicos e mais humanos com uma pessoa muito mais vivida. O que dizer a uma mãe preocupada com a família? Provavelmente, qualquer medida médica seria rejeitada caso comprometesse os 'cuidados' com as coisas de casa. Restou-nos indicá-la a um psiquiatra para que este avaliasse os riscos de um distúrbio mental envolvido. Acho que ali estávamos lidando com uma dor da alma, difícil de tratar.

Um comentário:

  1. Primeira vez que passo...uma olhada...uma lida...
    Está de Parabéns pelo blog...
    Talvez se todos na área pensasse ou tivesse atitudes parecidas, muta coisa ainda seria sem solução...Mas também muita coisa poderia ser diferente!

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