domingo, 7 de agosto de 2011

Sim, não somos infalíveis

Muitas vezes, a Medicina depara situações que corroem a ideia de infalibilidade. Nós, estudantes, somos conduzidos a crer que o conhecimento adquirido ao longo de vários anos de estudos no torna aptos a resolver todo e qualquer problema. Para isso, basta uma caneta e um bloco receituário nas mãos. Quem dera tivéssemos esse poder. Mas não temos. A realidade social de muitos pacientes é um verdadeiro desafio para a prática médica. Driblar as dificuldades e os problemas sociais dos nossos pacientes é a chave do sucesso no combate às doenças na maioria das situações em Saúde Pública. Pobreza, instabilidade familiar, dependências, tudo isso constitui, do meu ponto de vista, problemas de saúde indiretamente, já que impedem que as pessoas estejam plenamente saudáveis, ou seja, vivenciem um estado de bem-estar. Um fato que presenciei esta semana durante atendimento ambulatorial exemplifica essas situações. A paciente, uma idosa cuja idade não me arriscaria a dizer --pois o tempo e o sofrimento mascaram a face das pessoas--, chegou ao consultório sozinha e cansada da espera pelo atendimento. Notável era sua feição de cansaço, de vencida pelas amarguras da vida. Vestia roupas surradas, humildes, tão diferentes das que usávamos naquele mesmo espaço. O objetivo era mostrar ao médico o resultado dos exames para uma possível indicação cirúrgica. Após análise, o médico disse que seria necessária uma cirurgia. Então, num desabafo incontido, a idosa começou a chorar e falar da sua situação. Ela morava só com o marido, de quem cuidava. Aliás, ex-marido que a deixou por motivos não mencionados, mas compreensíveis pela nossa experiência. O homem vivia prostrado, dependente da pobre senhora pra tudo; os filhos estavam distantes. O pior, na minha opinião, foi ela dizer que há muitos anos queixava-se da mesma dor e não fazia nada, simplesmente suportava. Limpava a casa, pegava em pesos exagerados, "batia" roupas, e tudo isso causava dor.
__Mas a senhora sabe que não pode fazer grandes esforços!__disse o médico.
__E se não for eu, quem vai fazer, doutor?!
Durante o exame físico realizado pelo médico, soltava gritos de dor, chegando a implorar "pelo amor de Deus, moço, num aperta ai não que dói". Senti que aquele choro era algo acumulado durante anos, e que bastou ela se sentir alvo da nossa atenção para desabar em lágrimas. Parecia fácil para nós fazermos a indicação cirúrgica, mas quem assumiria tamanha dedicação com um homem prostrado? Quem assumiria o comando da sua casa durante os dias de internação? Tudo bem, talvez não fosse problema nosso, mas também não poderíamos ser tão egoístas a ponto de achar que só um pedaço de papel assinado e carimbado resolveria. Como tratar esse senhora que tanto precisa de ajuda sem comprometer suas responsabilidades? E então, compreendi que nem tudo tem solução nas páginas dos volumosos livros de Medicina. Sim, não somos infalíveis.

2 comentários:

  1. leio essas linhas e me pergunto quão marcada essa senhora deve ser...suas rugas, suas lágrimas e ainda tanto que ele talvez prefira nem lembrar...os anos e qnto sofrimento além do físico ele deve ter carregado e ainda carrega...o cuidador sempre peca em se cuidar. Mas saberá ela ser se não for dessa forma?
    Parabéns pelo blog, amigo, fico feliz com suas reflexões, com o através e para além que acompanham seu olhar e cuidar como futuro médico e ser humano.

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  2. Com certeza, ela deveria esconder muitos outros sofrimentos por trás daquela aparência sofrida. Espero que sejamos capazes de identificá-las e principalmente ajudar. Obrigado, amiga...é muito importante sua participação neste espaço

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